A educação brasileira é um problema muito além do olhar governamental, público. Se o país não consegue dar um ritmo prioritário àquilo que, todos sabemos, pode salvar o futuro da nação, seja por falta de dinheiro, capacidade ou visão, a realidade que se desnuda diante dos olhos daqueles que militam na educação é que o embuste ultrapassa as barreiras do poder público e se instala, como negócio, na área privada.
A
maior prova disto é exatamente o tratamento que as instituições privadas de
ensino superior (as chamadas faculdades ou universidades particulares) impõem a
seus clientes – também conhecidos como acadêmicos ou alunos. Não vou nem versar
sobre a economia no investimento em material humano (número de pessoas, mesmo)
e equipamentos (geralmente sucateados e em número insuficiente). Até mesmo na
limpeza se economiza. Por vezes buscando cumprir metas impostas pelo Ministério
da Educação, em outras realizando enxugamento de suas despesas para manter o
lucro, professores que possuem prática de mercado são substituídos pelos que
detém títulos acadêmicos. Substituição pura e simples, sem análise caso a caso
das potencialidades de cada um.
Não
que os títulos acadêmicos não sejam importantes, muito pelo contrário. A
imersão na teoria das coisas é sempre bem vinda, porquanto pode aprofundar o
debate em sala de aula e no universo acadêmico. Pode ajudar o estudante a
ampliar seus horizontes. Pode. Nem sempre o faz. Muitas vezes não acontece.
Isto depende imensamente da capacidade e da vontade do professor. E este
ampliar de horizontes jamais estará completo se este professor titulado não for
um profissional do mercado, não tiver real experiência prática daquilo que está
ministrando para seus seguidores. Teoria e prática precisam andar lado a lado.
Hoje
o que se vê no mercado são instituições buscando títulos e titulados em
detrimento da experiência de mercado, mesmo que em seus anúncios publicitários
encham a boca dizendo que são melhores porque seus professores possuem esta
experiência. Em sala de aula, no entanto, se vê jornalista dando aula de
atendimento publicitário sem jamais ter trabalhado na função. É possível
encontrar publicitário dando aula de mídia digital sem jamais ter vivido esta
experiência como profissional de mercado. Vê-se todo o tipo de distorção para
colocar um mestre ou doutor a dar aula em lugar de um especialista que vive
diariamente a realidade da aula que poderia ministrar com domínio real da
matéria.
Em
contrapartida, as instituições privadas de ensino superior não dão qualquer
contrapartida para que o professor possa fazer novas pós-graduações. Aliás, em
verdade, a realidade de mercado diz que só pode efetuar um mestrado ou
doutorado quem não trabalha no
mercado profissional da área em que leciona. O professor para conseguir cursar
um mestrado ou doutorado precisa ter tempo disponível em dias de semana e
finais de semana... muito tempo disponível. Ao mesmo tempo, paga caro pela
pós-graduação em instituições privadas. Logo, não pode trabalhar e não
trabalhando, não tem como pagar a pós-graduação. Já um mestrado ou doutorado em
instituição federal pode não ter mensalidades pagas, mas precisa de dedicação full time. Logo, títulos são para
professores que vivem somente a academia – e não a experiência do mercado de trabalho.
Conheci
o hoje saudoso professor Sálvio Muller e tive o privilégio de algumas horas de
conversa com ele ao longo de três anos em que trabalhamos em uma mesma
instituição. Com graduações, especializações e mestrado e um doutorado
interrompido, costumava justificar o abandono ao título com a frase “Está cheio
de doutor anta por aí”. Era até hilário vê-lo dizer isso, porque era um sábio
ao utilizar as palavras, os argumentos e verbalizar o conhecimento, sempre mais
profundo do que nossa vã filosofia. Definitivamente mestrados e doutorados
cursados em instituições pagas deveriam estar em constante observação
qualitativa.
Você
vê cada um com o título na mão, gente que sequer consegue escrever ou falar
corretamente a língua portuguesa, que fica em dúvida se o velho “pagou-passou”
não é mesmo uma realidade... Você pode imaginar um doutor falando “pra mim
fazer”? Ou será que nosso ensino que
forma mestres e doutores está com nível tão baixo que permite a quem mal sabe
escrever e falar receber títulos de mestres e doutores?
Claro
que não é a regra. Existem ótimos doutores e mestres. Mas também não é a
exceção. Sou capaz de apostar que mais da metade de muitos titulados, entra na
vala comum de não passar em uma prova de graduação em língua portuguesa, por
exemplo. Ou de conhecimentos gerais. Culpa deles? Não, não. Às vezes são apenas cúmplices,
mesmo sem saber. Fazem parte do jogo do
mercado. A culpa é das instituições de ensino e do sistema que fazem da educação
um negócio e do ensino superior uma mercadoria. Todos querem mais lucro,
independente da qualidade que efetivamente repassam aos seus clientes. Tirando
uma notinha legal na avaliação do MEC, é razão suficiente para dar
prosseguimento à publicidade para captação de novos alunos.
São
as mazelas da realidade privada no ensino superior. Grandes corporações da
educação buscando o lucro e fazendo o necessário para alcançar as metas.
Financeiras. Mas não venham me dizer que levam a sério a experiência de mercado
de seus professores. Por mais incrível que possa parecer, esta propalada
experiência na área de atuação anda na contramão da possibilidade de conquista
de títulos acadêmicos.
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