terça-feira, 24 de outubro de 2017

CRIADOR E CRIATURA (ou O Dia em que o Homem Criou Deus)


O ser humano (o tal homo sapiens) se acha. Considera-se o soberano do planeta, aquele que tem o poder racional de subjugar as outras espécies e a natureza. Foi com esta sapiência toda que o homem criou Deus. Primeiro, muitos. Os deuses da Grécia Antiga dividiam poderes. Até ali, os homens criavam divindades distintas tentando respeitar suas próprias diferenças.

Porém o ser humano, este ser de incrível sabedoria, notou que poderia dominar melhor as coisas, as espécies e aos outros homens ao se proclamar único. Para ser forte precisava ser uno. E para ser mais forte, precisava criar um único Deus. Um Deus onipresente e onipotente. Um Deus só que comandasse o reino dos céus e da terra, soberano como o homem se acha. Um só Deus que fosse temido por todos, obedecido por todos, que, através dos homens, escolhesse os bons e os maus, e os pecadores, e os profetas.

Ao criar um Deus uno, o homem obteve a voz do comando eterno. Não se tratava mais de homens mandando em homens, mas de homens mandando em homens por meio de um Deus insuperável, inabalável e inatingível. Quem ousaria desafiar Deus?  Quem ousaria descumprir suas ordens?  Quem ousaria desacreditá-lo?  E depois dele, a religião, as igrejas, os livros com as ordens em forma de historietas, profetas embutidos do poder de falar em nome do criador-criado.

Assim, pode o homem colocar a todos de joelhos. Todos são mansos cordeiros ao obedecer as regras criadas pelos próprios homens em nome de um Deus. Desta forma, o inteligente ser humano manteve a sociedade sob seu domínio. As leis divinas divinamente humanas dão o condão da mínima ordem social. Todo aquele que não as cumpre não merece o reino do céu. Não se comportou, não tem prêmio. Duvidou, não é merecedor. Discordou, é penalizado. A homogeneização da crença para que a raça humana continue demasiadamente divina.

O homem criou Deus à sua imagem e semelhança – não ao contrário, como o próprio homem engana para continuar sendo aceito como líder e subjugando os da própria espécie. Porque era exatamente isso do que precisava. Tornar-se divino. De quebra, dividiu a espécie em castas conforme sua aproximação com a divindade – o Deus-homem. Com esta divisão, sedou o ímpeto e o prazer em troca de uma absolvição pré-pecadora. Todos são culpados pela sua própria natureza (animal) a não ser que se subjugue.


Quem mais acredita na história, quem mais se ajoelha, quanto mais cordato, quanto mais o homem deixa de acreditar em si mesmo para colocar sua fé em outrem, quanto mais fraco se torna o eu para fortalecer o “Deus”, mais próximo da pregada salvação estará. Com a criação de Deus, o homem – que até então era o senhor das demais espécies – tornou-se o dominador da própria espécie, senhor do céu e do inferno, das fantasias e das pretensas verdades. O homem criou a divindade única à sua própria imagem e semelhança, com todos os seus mistérios etéreos, para se tornar Deus. O homem, senhor do Universo.