Um texto de Ícaro de Carvalho (https://medium.com/@carvalho.icaro) sobre liberdade, responsabilidades e as misérias de uma geração que está se perdendo no meio do caminho.
(Recebi este texto via facebook, enviado pelo meu filho Thierry – que,
aliás, ao compartilhar fez uma ressalva: embora pareça se dirigir ao meio
publicitário, serve para as pessoas, independente de profissão. Ao ler, você
perceberá. É um texto longo, mas muito bom. E que como provoca o pensar,
resolvi reproduzir aqui no blog. São raras as vezes que uso texto de alguém,
mas quando o texto é muito bom e vem ao encontro do objetivo do blog, faço com
prazer.
Boa leitura!)
Na semana passada eu ouvi de um garoto, ainda na
faculdade, o seguinte depoimento:
“Seu texto sobre a
subserviência das empresas em relação ao cliente deveria ser pregado na porta
de entrada de todas as empresas do país, nas salas de reuniões e ser repetido
como mantra em palestras de empreendedorismo para todos os empresários do
Brasil. As agências de publicidade, especificamente, estão atingindo um nível
de servidão pior do que pastelaria.
Na pastelaria ninguém fica
acelerando o pasteleiro. Ninguém manda e-mail para o pasteleiro mandando ele
entregar o pastel na mesa dele até as 9h da manhã. Para o pasteleiro, quanto
mais horas ele trabalhar, mais ele vai ganhar. Falar em hora extra em
publicidade só vai fazer as pessoas rirem. Enfim, desculpa o desabafo”.
Somos uma geração de bobos que se acha esperta. Nossos pais davam duro, saiam
de casa cedo, trabalhavam como doidos, indo e vindo do centro da cidade, em
cartórios, lotéricas e visitas bancárias, muitas vezes em carros sem
ar-condicionado, mas ganhavam bem o suficiente para sustentarem uma família com
três filhos, carro, cachorro e ainda levavam todos para comerem churrasco aos
domingos.
A geração de hoje se deixa enganar pela falsa sensação
de divertimento, que nunca tem fim. Transformaram o ambiente de trabalho em um
circo, para que você ouça: “Ei, mas aqui é divertido! Dane-se se não te pagamos horas-extra ou se te
colocamos para trabalhar por toda a madrugada em troca de pizza. Aqui você pode
trabalhar com boné!”.
Veja como o nosso ambiente de trabalho é divertido. Te pagaremos mal e não respeitaremos a sua hora de almoço. Hora-extra? Nem pensar! Whatsapp depois do trabalho? Com certeza, afinal de contas, você ainda não tem filhos! Ah, mas te daremos kit kat e café expresso de graça!
Quando nossos pais estavam em casa, eles estavam
em casa mesmo! Dane-se que o trabalho tinha sido duro, após as
18:00 eles sentavam naquele sofá da Mesbla, abriam a primeira Antártica da
noite e era a hora do futebol.Qual foi a última vez que você esteve realmente
desconectado do seu trabalho? Você
tenta se convencer de que aquele Whatsapp do cliente às 00:00 não é nada
demais, que é coisa pequena, que “pega mal” não responder. E aquele inbox no
Facebook às 1:35 da manhã? “Ah, eu já estou aqui
mesmo, né. Agora ele já viu que eu visualizei…”.
Provavelmente você caiu no mito do home-office libertador, que te faz
perceber, anos depois, que ele só foi capaz de te “libertar” do horário
comercial. “Ah, mas você trabalha
em casa!” — pronto, é sinal de
que receberá demandas ou mensagens a qualquer hora da madrugada.
Provavelmente você ainda não se ligou, mas você produz
dezenas de vezes a mais do que o seu pai ou os seus tios conseguiam. Antes,
para atender um cliente, você precisava ir na loja ou na casa dele, lá na puta
que o pariu. Hoje? Skype. Antes, era FAX ou mandar documentos pelos correios.
Hoje? E-mail. Antes, você estava limitado à sua cidade. Hoje? Internet, meu
filho!
Entretanto, quanto é que você está ganhando? Acorde para a vida! Agências
com mesa de sinuca, totó, chocolates à vontade, cafezinho expresso, pula-pula e
vídeo-games significam apenas que você está pagando por tudo aquilo e que o seu
salário, ao final do mês, sentirá a pancada.
“Tudo bem, porque eu amo o que eu faço!”.
Na semana retrasada eu ouvi isso. Estava contratando os
serviços de umaSTART-UP de
tecnologia para um dos meus negócios e havia esquecido de perguntar alguma
coisa. Já eram 23:00 horas. Fui ao Skype, me certifiquei de que a
menina do suporte estava OFFLINE e deixei uma mensagem. Poderia
ter feito isso pelo Facebook, mas eu sabia que iria apitar lá na casa dela e
não queria esse tipo de coisa, ainda mais naquele horário. Enfim, enviei a
mensagem e deixei escrito: “Só me responda quando
chegar ao escritório!”.
Faltando quinze minutos para uma da manhã, a menina me
responde, pelo Facebook. Eu digo: “O que você está fazendo
aqui? Te deixei uma mensagem no Skype! Vá dormir, namorar ou assistir aquelas
séries no Netflix!” e
ela me disse:“Ah,
é que eu entrei no meu skype só para ver se estava tudo bem com os clientes. Vi
a sua mensagem e retornei. Não custa nada, nem se preocupe. Eu amo o que faço.
Rs”.
Eu amo o que faço… erre esse. À uma da manhã de terça
feira. Com o teu chefe te pagando, provavelmente, entre dois mil e quinhentos a
três mil reais para isso…e somos nós quem somos a geração dos “desapegados, que querem viver a vida”.
Estamos nos tornando uma geração de trintões cujas
preocupações são os próximos shows do Artic Monkeys, a cerveja gourmet da moda
e a próxima temporada de House of Cards. Uma geração sem filhos, que foge das
responsabilidades, se iludindo com a ideia de que o seu chefe é seu amigo e que
por isso você “quebra alguns galhos
para ele”.
Ouvimos de todo tipo de especialista, que somos a
geração livre por excelência, que preza pela mobilidade e pela qualidade no
ambiente de trabalho, mas de alguma forma nós erramos o caminho e nos tornamos
aquele tipo de gente que fica conversando com o cliente às 20:00 horas,
enquanto janta com a mulher. E nos achamos o máximo, quando batemos o pé: “Ai, que saco, o meu chefe não me deixa em paz!”.
Que corajoso!
Aqui nós somos felizes e podemos levar o nosso cachorrinho para o trabalho, às sextas-feiras. Para falar a verdade, trabalhar aqui é tão legal, que nem precisamos voltar para casa!
O
resultado? Uma nação de escravos!
Olhávamos para nossos pais e avós e pensávamos que eles
eram escravos da própria família. Que haviam tido muitos filhos e que isso, de
alguma forma, os prendeu em uma vida cheia de amarras e limitações, mas, hoje,
advinha só? Da
sua idade ele já tinha casa própria e carro na garagem. E você? Figuras de ação
do Mega-Man.
Em
algum ponto entre o final da faculdade e o começo da vida adulta, nós perdemos
a mão. Não estamos estabelecendo relações saudáveis de empregador e empregado,
mas um misto de coleguismo com parceria e com prováveis projetos que poderão
mudar o mundo, mas que não ajudam a pagar o aluguel.
Ah, mas você não é empregado? Tem o seu próprio negócio?
É um empreendedor em início de carreira? As notícias também não são muito boas…
Você
também é um escravo!
Com a popularização da tecnologia e da conectividade, os
super-heróis deixaram de ser os esportistas e os homens engravatados de
Wall-Street e passaram a ser os empreendedores do vale do silício. Aquele tipo
de pessoa que usa camiseta sempre da mesma cor, tênis, vai trabalhar de
bicicleta e mantém uma dieta ecologicamente adequada.
Com isso, surgiu a cultura da motivação constante e da
satisfação do cliente a qualquer custo. Não importa o que aconteça, a
experiência do seu cliente deve sempre ser a melhor possível; ainda que ele
seja um babaca!
Eu posso te falar uma coisa? Nem sempre o seu cliente tem razão. Nem sempre ele sabe o que é o melhor
para o negócio dele e nem sempre aquele“logo dourado com bordas vermelhas, estilo a da
propagada da mortadela Seara”é a melhor opção. O problema é que
dizer isso na cara dele agora se tornou um crime! Não é proativo e engajado discutir com o cliente,
ainda que ele esteja escandalosamente errado!
A cultura desses caras, importada para cá de uma maneira
incompatível com a nossa realidade, diz que devemos buscar a composição sempre,
fazermos reuniões intermináveis até que todos estejam satisfeitos e
sorridentes. Dar pesos e medidas iguais aos especialistas e aos curiosos. O que acontece? Tentar extrair o dente do paciente
com uma colher de pau.
Estamos na décima sétima alteração e o contrato diz que
só faríamos até cinco? Sem problemas! A satisfação do cliente em primeiro lugar!
Ele acha que não precisa fazer um contrato com você? Sem problemas, lá fora
muita gente deixa isso para lá! O que? Agora ele não está te pagando? Cuidado!
Não o cobre de maneira que possa parecer ofensiva! Não é isso que a Amazon faria!
Você está
preso em uma camisa de força verbal.
A camisa de força verbal é um dos institutos
comportamentais que mais causa dano à mente e à consciência de qualquer pessoa. No empreendedorismo, 90% dos profissionais sofrem
desse tipo de mal.
A maior libertação, para qualquer proprietário, é quando
este alcança certo grau de autonomia, que pode chamar a atenção do seu cliente
e fazê-lo perceber que aquilo é para o seu próprio bem. Que, identificando o erro, ele está é justificando
o seu dinheiro, ao dizer que ele está fazendo merda.
Aqui no Brasil, a educação ganhou status de
religião. A
mãe que paga a escola não quer ver seu filho criticado, afinal de contas, o
boleto é caro. Do mesmo modo, o cliente chato — e insistente — não quer ser
repreendido; ganha-se o mantra do “o cliente sempre tem
razão”, em desfavor da alma do próprio empresário.
Vá à Itália e peça a comida do jeito que você quiser e
ouvirá, imediatamente, um sonoro: “Não. Vá comer em outro
canto”. Isso para o brasileiro é criminoso. Faz com que ele se
insurja, contando aos amigos: “Acredita que eu pedi
para fazer o macarrão mais mole e me disseram que não dava? Que ignorantes!”. Ele não enxerga que ele mesmo é que é o pé no saco. Que não respeita nada nem
ninguém. Vê no empreendedor
alguém que deve servi-lo, independentemente de quão imbecil e sem propósito
sejam os seus desejos.
O brasileiro de hoje está acostumado ao mando,
porque paga. O
código de defesa do consumidor criou um monstro, que custa a saúde emocional e
física de milhões de empreendedores. O meu maior conselho a vocês, é: construa
uma empresa que você possa mandar o cliente indesejado tomar no cu. Faça isso ou adoeça.
Entretanto, no mundo de arco-íris e pôneis da geração Y,
que é feita de vidro, isso é ser rude, preconceituoso, antiquado, grosseirão.
Às custas da própria saúde e do caixa da empresa, ele manterá aquele cliente
chato, pentelho, arrogante e que — muitas vezes — nem te paga. É isso ou você não estará seguindo “o manual da cordialidade do Facebook”.
A
conclusão? Não sei.
Da geração que iria mudar a maneira com que o mundo se
relaciona a um bando de bebês de meia idade, que mora de aluguel e que o ponto
alto do ano é o lançamento de mais um filme da guerra nas estrelas.
Gente que ama a liberdade, mas que está presa a um
computador. Do tipo que está na décima quarta START-UP, sempre atrás daquele
round de investimento que o tornará milionário. A menina que tem vergonha de
dizer que é vendedora e que se apresenta como “líder-team da equipe de
vendas” e do
blogueiro que é articulista e CEO no perfil do Facebook.
Aonde é que fomos parar? O que é que aconteceu com
a GERAÇÃO Y?
Assim como o garoto do começo do texto: desculpem o
desabafo.
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As imagens e legendas também são de autoria do próprio Ícaro, assim como os grifos.
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