quarta-feira, 25 de junho de 2008

Ecce Homo, de Nietzsche

Acabei de ler “Ecce Homo”, de Friedrich Nietzsche, o último livro escrito por este pensador alemão do século XIX antes de – segundo a história – ele enlouquecer. Escrito em 1888, “Ecce Homo – De como a gente se torna o que a gente é” é a obra em que Nietzsche explica sua própria obra (demais títulos), onde se encontram pérolas como “O Anticristo” (para mim um dos melhores – se não o melhor – livro de todos os tempos) e “Zaratustra”, aos leitores e ao mundo.

Trata-se de um livro onde Nietzsche, cujo forte não é a modéstia, tenta explicar-se, sempre generoso consigo mesmo nos auto-elogios. Não é à toa que os títulos dos capítulos são “Por que eu sou tão sábio”, “Por que eu sou tão inteligente”, “Por que eu escrevo livros tão bons” e “Por que eu sou um destino”, além do nome das próprias obras que já havia lançado. Com tanto confete jogado em cima de si mesmo, Nietzsche consegue ser muito bom também nesta obra.

E estando com ela na cabeça – aproveitando minha mania de anotar as passagens que mais gosto desses pensadores especiais – repasso abaixo algumas das pérolas encontradas em “Ecce Homo” (traduzido: “Eis o Homem”):

“Mas o vento da grande liberdade já sopra sobre tudo; a própria ferida não age como objeção... Sobre a minha compreensão dos filósofos como um tremendo material explosivo, ante o qual tudo está em perigo; sobre a renovação que promovo com meu conceito de filósofo, colocando-o a milhas de distância de um conceito capaz de ainda encerrar em si um Kant – sem contar os ‘ruminantes’ acadêmicos e outros professores de filosofia ... O meu texto dá uma aula impagável, reconhecido inclusive o fato de que não é ‘Schopenhauer como educador’, mas sim sua antítese, ‘Nietzsche como educador’, que é chamado às falas (...) É minha sagacidade, ter sido muitas coisas em muitos lugares a fim de poder me tornar uno – a fim de poder chegar a ser um... Eu também tinha de ser, por algum tempo, um erudito”.

“Naquela época meu instinto decidiu-se de maneira inexorável contra a continuação da condescendência, do seguir-aos outros, do enganar-a-mim-mesmo. Qualquer modo de vida, as condições mais desfavoráveis, enfermidade, pobreza – tudo me parecia preferível àquela ‘ausência de si’ indigna à qual eu me entregara por ignorância, por juventude, e na qual eu acabara ficando pendurado mais tarde por preguiça, devido ao assim chamado ‘sentimento do dever’.”

“Quem está em desacordo comigo acerca desse ponto, esse eu considero infectado... Mas o mundo inteiro está em desacordo comigo... Para um fisiólogo, tal antinomia de valores não deixa a menor dúvida. Quando, no interior do organismo, o mais íntimo dos órgãos deixa de impor por um instante que seja a sua autoconservação, a sua renovação de forças, o seu ‘egoísmo’ com absoluta certeza, o todo degenera. O fisiólogo exige a extirpação da parte degenerada, renega qualquer solidariedade como o degenerado, é quem está mais distante de mostrar piedade com ele. Mas o sacerdote quer justaene a degeneração do todo, da humanidade: por isso ele conserva o degenerado – e a esse preço ele a domina... Que sentido têm aqueles conceitos mentirosos, os conceitos auxiliares da moral, da ‘alma’, do ‘espírito’, do ‘livre-arbítrio’ de ‘Deus’, se não o de arruinar fisiologicamente a humanidade?... Quando se desvia a seriedade de autoconservação, da fotificação do corpo, quer dizer, da vida, quando se faz da anemia um ideal, quando se constrói ‘a salvação da alma’ sobre o desprezo do corpo, o que é isso senão uma receita para a décadence? – A perda do equilíbrio, a resistência contra os instintos naturais, em uma palavra, a ‘ausência-de-si’ – tudo isso foi chamado de moral até agora... Com a ‘aurora’ (título de um dos livros de Nietzsche, mas aqui escrito com letra minúscula pelo que a própria palavra em si significa) iniciei, pela vez primeira, a luta contra a moral da renúncia a si mesmo”.

“Nós, os novos, os sem nome, os difíceis de serem entendidos – é dito lá -, nós, os filhos prematuros de um futuro ainda não demonstrado, temos a necessidade, para um novo objetivo, de um novo meio, quer dizer, de uma nova saúde, uma saúde mais forte mais afinada mais tenaz mais ousada mais divertida do que todas as saúdes conseguiram ser até agora. Aqueles cuja alma tem sede de experimentar toda a extensão dos valores e desideratos e navegar por todas as costas desse ‘mar inferior’idealista, aqueles que querem saber, das aventuras de suas experiências mais pessoais, como é que um conquistador e descobridor do ideal sente-se, e, da mesma forma, como um artista, um santo, um legislador, um sábio, um erudito, um devoto, um eremita divino do velho estilo sentem-se: eles têm necessidade, antes de tudo, da grande saúde – uma saúde que a gente não apenas tem, mas adquire e tem de adquirir constantemente, porque sempre se volta a abandoná-la, sempre tem de se abandoná-la...”.

“Eu conheço meu fado. Um dia haverão de unir ao meu nome a lembrança de algo monstruoso – uma crise como jamais houve outra na Terra, na mais profunda colisão de consciência, em uma decisão evocada contra tudo aquilo que até então havia sido acreditado, reivindicado, santificado... Eu não sou homem, eu sou dinamite. E com tudo isso não há nada em mim que me torne o fundador de uma religião; religiões são negócios do populacho e eu sempre tive a necessidade de lavar as minhas mãos ao entrar em contato com pessoas religiosas... Eu não quero “crentes”, eu penso que sou demasiado mau para acreditar em mim mesmo (...)”.

“Mas ainda escolhi para mim a palavra imoralista como distintivo, como distinção; eu tenho orgulho de possuir essa palavra que me distingue de toda a humanidade. Ninguém ainda sentiu a moral cristã como se estivesse abaixo de si: isso requereria uma altura, uma longividência, uma profundidade psicológica e uma abissalidade até hoje inauditas. A moral cristã foi, até agora, a Circe de todos os pensadores – eles estavam a seu serviço”.

“Fui compreendido? O que me separa, o que me coloca à parte de todo o resto da humanidade é haver descoberto a moral cristã. Por isso tive a necessidade de fazer uso de uma palavra que mantivesse o sentido de um desafio a cada homem. Não ter aberto os olhos mais cedo nesse ponto me parece ter sido a grande impureza que a humanidade carrega na consciência, como automistificação tornada instinto, como vontade radical de não enxergar nenhum acontecimento, nenhuma causalidade, nenhuma realidade, como falsificação in psycologics que chega ao crime. A cegueira ante o cristianismo é a cegueira par excellence – o crime contra a vida (...) O cristão foi, até agora, o 'ser moral', uma curiosidade ímpar – e como 'ser moral', mais absurdo, falso, vaidoso, leviano, mais prejudicial a si memso do que o maior dentre os desprezadores da humanidade jamais ousaria sonhar... A moral cristã – a forma mais maligna da vontade de mentira, a verdadeira Circe da humanidade: aquilo que a deteriorou. Não é o erro na condição de erro que me assusta à visão disso tudo, não é a milenária falta de 'boa vontade', de disciplina, de decência, de bravura nas coisas do espírito, que se revela em sua vitória – é a falta de natureza, é o fato terrível, é a situação completamente terrível de que a própria antinatureza receber as supremas honras como moral (...)”.

“Que se tenha ensinado o desprezo pelo primeiríssimos instintos da vida, que se tenha inventado uma 'alma', um 'espírito' para arruinar o corpo; que se ensine a ver algo impuro no pressuposto da vida, a sexualidade; que se busque o princípio ruim naquilo que é básico e necessário ao florescer, o estrito amor-a-si-mesmo (...) Essa única moral que foi ensinada até hoje, a moral da renúncia-a-si-mesmo trai uma vontade de fim, nega a vida em seus fundamentos”.

Não sei quanto a você que passeia por esse blog agora. Mas muito do que Nietzsche escreve parece auto-aplicável aos dias de hoje, à sociedade atual e, em algumas passagens, até mesmo à nossa vida pessoal. Um exercício de interpretação é sempre bem vindo.

3 comentários:

Thiago Floriano disse...

Ainda não encarei Nietzsche de frente. Acho que cada leitura tem seu tempo e para essa ainda não chegou a hora na minha pequena biblioteca. Depois que eu tentar ler o máximo possível de sua obra, quem sabe não mudo minha opinião de que é um autor superestimado. Abraço!

Anônimo disse...

Ele sempre será o meu consolo. Infelizmente. É um remédio amargo, mas que todos devem tomar pelo menos uma vez na vida.

Unknown disse...

Não tem jeito! O Nietzche é o melhor!! Eu definitivamente o adoro, adoro o seu pessimismo romantico, adoro quando ele diz que "A esperança é o derradeiro mal; é o pior dos males, porquanto prolonga o tormento", verdade inquestionvel!!!