terça-feira, 6 de maio de 2014

QUANDO A PISTA VIRA EXEMPLO DE VIDA


O dia 1º de maio nunca será esquecido pelos brasileiros. O Dia do Trabalho (ou do Trabalhador, dependendo de quem diz), a data marcou a corrida final de Ayrton Senna. Naquele 1º de maio de 1994, um domingo, acordei cedo, como fazia em todos os domingos em que havia Grande Prêmio de Fórmula 1. Troquei a coberta quentinha pelo sofá da sala. Postei-me em frente à tevê, aguardando mais um dia de show. Era bem assim. Naquela época, o brasileiro era mal acostumado. Ligava a tevê aos domingos para ver seus pilotos darem show. Ayrton Senna era o líder de nosso alegria. Naquele fatídico domingo, meu filho de apenas um ano e três meses também acordou cedo (à época era filho único, hoje é o mais velho, com 21 anos). Tirei do berço e coloquei sobre meu colo para que ele acompanhasse sua primeira corrida de F1. Afinal, qual pai não quer que o filho curta as mesmas emoções que ele, seja na velocidade, seja no futebol?...

Ayrton Senna não vivia um bom momento. Depois de ter sido tricampeão pela Mc Laren em 1991, viu a Willians tornar-se a máquina imbatível. Quando em 1994 recebeu o convite de Frank Willians para dirigir o carro sensação do momento, todos tiveram a certeza de que o quarto título do brasileiro era uma questão de tempo. Mas não foi o que aconteceu. Michael Schumacher vencera os grandes prêmios do Brasil, em março, e do Pacífico, em abril, com sua Benetton (ele ganharia 8 das 15 provas daquele ano). Nas duas provas, Senna sequer completou as corridas. Precisava marcar pontos. Precisava mais. Necessitava vencer. Senna não corria para pontuar. Por isso – e pelos acidentes registrados naquela mesma pista durante os treinos, na sexta com Rubens Barrichelo e no sábado com o austríaco Roland Ratzenberger (que acabou morrendo ali) – as imagens mostram um Ayrton Senna preocupado, pensativo, quase triste naquele 1º de maio de 1994. Só não sabia que aquele se tornaria um dia especial para os brasileiros exatamente por sua causa.

Quando Ayrton Senna bateu forte na curva Tamburello e a imagem da tevê mostrou seu pescoço caído para o lado, pressenti o pior. Só havia visto uma vez em muitos anos que acompanho corridas aquela cena: exatamente no dia anterior, no acidente de Ratzenberger – e o resultado tinha sido o pior possível. Senna ficou ali, a história vitoriosa do piloto brasileiro ficou ali. O ídolo do Brasil estava imortalizado. Porém, quando se fala na história de Ayrton Senna da Silva, o exemplo que me vem à mente é exatamente o dele nas pistas. Mas não como exemplo de piloto, como exemplo de vida. Fazer o que se gosta, dedicar-se ao máximo àquele trabalho exatamente porque gosta do que faz. Ser corajoso, audacioso, ousado. Ser inquieto, incisivo, obtuso. Ayrton Senna sempre me transpareceu a imagem de que aquele que se projeta para uma ultrapassagem, que se arrisca no limite para vencer uma prova, é uma ótima referência para aplicar esses princípios na própria vida. A vida só é realmente vivida se levada ao extremo. O extremo da dedicação, o extremo da coragem tendem a levar ao extremo da felicidade. E se não levar, pelo menos o trajeto foi bem vivido.

A vida não é uma pista de corridas, eu sei. A paciência, a prudência são virtudes importantes, eu sei. Mas dificilmente consigo vislumbrar alguém que tenha sido importante para si mesmo sem a coragem, a audácia, a ousadia que Ayrton mostrava nas pistas. Desta forma, naquele ano já longínquo de 1994, fiz meus contatos para colocar o nome dele na minha rua – até então inominada. Hoje moro na rua Ayrton Senna, no bairro da Velha, com direito a uma curva em “S” (o “S” do Senna) no final e tudo. Uma homenagem simples, mais do que ao piloto, ao ser humano que fazia da pista um modo de vida.



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