quarta-feira, 18 de março de 2009

A igreja, o aborto e o vômito

A gente até tenta esquecer, mas a história da menina de apenas nove anos de idade, de Recife, que foi estuprada pelo padrasto e engravidou de gêmeos, é uma violência tamanha que só conseguiu ser superada pela desumanidade da Igreja Católica ao querer forçar que ela levasse a gravidez adiante. Forçar, mesmo. Além de ter entrado com pedido no Ministério Público para impedir o aborto, a igreja ainda ameaçou excomungar médicos, mãe da menina e todo mundo que pense diferente das medievais posições eclesiásticas.

Por competência – e graças ao bom Deus que a igreja tanto prega – os médicos foram mais rápidos e realizaram o aborto. Ora... paremos para pensar: o que representaria para uma menina de nove anos uma gravidez indesejada, fruto da mais vil violência, e prosseguir sua vida (se sobrevivesse ao parto de risco) com duas crianças para criar? Mas a igreja não queria saber de nada disso. Seu dogma, sua posição desumana e desnaturada se sobrepõem a tudo e a todos. Assim pensa a igreja.

Para mim, o que essa posição demonstra é que a igreja condenaria esta criança pela segunda vez. Foi condenada uma vez pelo padrasto, ao ser violentada; seria condenada pela igreja a morrer no parto ou viver infeliz pelo resto da vida. O que esta menina de apenas nove anos fez para merecer tamanho calvário? O que esta criança fez para ser condenada uma segunda vez em tão pouco tempo?

Particularmente, aliás, penso que o direito de aborto a todas as mulheres estupradas deveria ser defendido pela igreja – e por toda a sociedade pensante (porque há aqueles que concordam com posições “superiores”, sem pensar).

A posição da igreja neste caso específico de Recife foi tão absurda, que enoja, dá náuseas. Não há “lei de Deus” que se sobreponha à humanidade, à caridade, ao mínimo bom senso. Invocar a “lei de Deus” para provocar maldade e manter posições ultrapassadas e desumanas é demagogia, covardia e mau-caratismo. Não vamos nem lembrar que a “lei de Deus” foi escrita pelos homens, assim como toda a história da Bíblia. Não vamos nem lembrar que a “lei de Deus” deu poder e respeito à igreja através dos séculos e é essa sua maior beneficiária. Vamos apenas dizer que um Deus bom, jamais condenaria esta criança pela segunda vez. Logo, a igreja não fala mais em nome de Deus. Não neste caso.

Isso nos mostra que cada vez mais a igreja está longe de Deus, para manter posições que, acredita, lhe reserve um restinho de poder e respeito. Mas é exatamente o contrário. Posições como esta lhe tiram todo e qualquer respeito que ainda reste. O poder (de influência na sociedade e nos governos) já se foi faz tempo. O pior é que eles não vêem que afastam cada vez mais as pessoas de sua igreja. Os advogados sabem – e qualquer pessoa medianamente sensata, também – que leis carecem de interpretação. E a Bíblia, feita de metáforas, muito mais. Assim, radical e totalmente ultrapassada, a igreja cai ainda mais no descrédito.

Prova disso é que ninguém deu a mínima à ameaça de excomungação, feita pelo arcebispo de Recife. Ninguém mais leva essas baboseiras a sério. Inferno, céu, vida após a morte... nada disso importa para quem vive aqui. Este episódio final da ameaça de excomungação fez com que a Igreja Católica caísse no completo ridículo, pois deixou à mostra sua falta de respeito e de poder de persuasão.

A igreja acusou o golpe. O presidente da CNBB foi à mídia para dizer que não era bem assim, que o arcebispo não ameaçou no caso concreto, mas que apenas disse que quem é a favor do aborto pode sofrer esta sanção. Até o Vaticano se pronunciou “contrário” ao arcebispo, dizendo que ele se precipitou. Só que a reprimenda parou por aí, pois ele seguiu a cartilha ortodoxa da igreja, a mesma defendida pelo Papa Bento XVI. Espetáculo de jogo de cena, para a platéia. Deprimente.

A nós, que pensamos como seres humanos e não como cordeirinhos pacatos e obedientes a um pastor, resta a indignação. Este imbróglio patrocinado pela Igreja Católica não lhe causou só críticas. Causou repulsa, nojo, náuseas em todas as pessoas de boa fé.


Nenhum comentário: