quinta-feira, 5 de junho de 2008

O fim do casamento como 'instituição'

A hipocrisia não está restrita à igreja ou à religião. O casamento, por exemplo, é ‘instituição doutora’ no assunto. Veja só: duas pessoas até então livres, resolvem unir suas vidas e amarrarem-se. “Para sempre”, ouvem no altar. Estão apaixonadas. Paixão, patos, patologia. Estão doentes. Cegas, perdem a noção de tudo. Defeitos viram virtudes, virtudes são ‘santificadas’ (essa foi boa!).

Mas o tempo não para (como diria Cazuza)... com o tempo a paixão se transforma em amor. Já não são loucos um pelo outro, já não idolatram os defeitos do parceiro. Porém, os aceitam. É o amor. O amor é como um barquinho à vela em alto mar, mas onde há sempre tempo bom, brisa suave, rota segura. É a calmaria em pessoa – ou pessoas. Com o tempo, enjoa. O amor é um sentimento para se ter com os pais, os irmãos, os filhos... não pela pessoa pela qual se foi apaixonado. Pelo menos não só ele. Seria como dançar uma música lenta com a própria irmã; algo sem emoção, sem graça.

A paixão, não! É como um barco em alto mar, no meio de uma tempestade, ondas enormes, sem direção. Dá medo, faz tremer, causa insegurança. É um desafio. É viver!.. mas porque estou escrevendo sobre paixão se ela não sobrevive ao amor, muito menos ao casamento?

Ah! Este era o ponto: casamento. Aquela instituição milenar (apesar das mudanças de termos e estilos, no passar dos séculos) que acaba com a paixão através da convivência linear; que vende o amor como sentimento ideal e normal para pessoas de sexos diferentes. O amor é lindo, diz o ditado, mas não sobrevive entre pessoas de sexos diferentes (entenda-se por isso, na modernidade em que estamos, como casais) sem a paixão. E se sobreviver, não será com o casal junto.

Acredito que a paixão é fundamental para mais momentos felizes – o que se costuma chamar ‘felicidade’, aquilo que todos buscamos como sentido da vida. O amor pode dar a sensação de segurança, de amizade, de parceria institucional... mas produz uma ‘felicidade meia-boca’. A gente ama um irmão, irmã, a mãe, até os amigos mais próximos, mas nem por isso se quer dormir com eles todos os dias da sua vida para sempre.

Então, como estamos em uma época em que convenções já não são mais tão importantes; em que a busca da felicidade enquanto satisfação pessoal sobrepujou a convenção ‘família’; em que muitas pessoas assumem seus sentimentos para consigo mesmos, destronando o sentimento obrigatório convencionado, o casamento como conhecemos esgotou sua magia. Fica na lembrança a bela cerimônia. Frases como “até que a morte os separem” caíram no ridículo dos novos costumes mais liberais e poderiam ser substituídas por “até que a paixão termine”.

E alguém me diz: “mas a paixão tem prazo de validade”, como quem quer dizer “ela terminará”. Tudo bem... a própria vida tem prazo de validade. E por isso vamos abdicar de vivê-la? Não será mais justo e honesto conosco mesmos tentarmos nos apaixonar sempre, ainda que por pessoas diferentes a cada vez, em busca da tal ‘felicidade’, do que aceitarmos a convenção da ‘felicidade meia-boca’?

A não ser que alguém encontre a fórmula mágica de uma pessoa que faça o outro se apaixonar todos os dias, esta é a única maneira que me parece razoável viver (no sentido literal-filosófico da palavra): constantemente mutável, em busca de emocionantes momentos felizes.

3 comentários:

Thiago Floriano disse...

"Seria como dançar uma música lenta com a própria irmã" foi o ápice do texto. Realmente é incrível como a gente tenta usar um padrão antigo pra uma realidade contemporânea tão diferente de quando essa 'instituição' de 'felizes para sempre' foi criada. Vale citar o poeta Vinícius com a célebre frase: "Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". Creio que a felicidade plena está mais perto se conseguirmos colocar essa filosofia em prática, e não só nas relações interpessoais.

Marina Melz disse...

minha parte cética comentaria "concordo em gênero, número e grau. paixão é o combustível da vida".

minha parte sentimental comentaria "ahhh, isso tudo é uma grande bobagem e cada um tem que viver feliz pra sempre com sua metade da laranja".

como não sou feita nem de uma, nem de outra, comento que concordo com a parte de que paixão é muito mais emocionante do que amor, mas eu ainda acredito num amor que seja capaz de fazer feliz a duas pessoas por toda a vida. talvez porque eu tenha muito medo de trovões e tempestades.

Macedinho disse...

Fabricio,

Seu texto faz uma crítica muito importante sobre a tradicional definição de casamento. Uma pessoa com o mínimo de conhecimento, sabe da mentira que é a proposta do casamento pela religião. Entretanto criticar por si só não se leva a lugar algum, esta é a parte fácil. Tem que se propor uma saída, não que eu ou alguém tenha que concordar, mas pelo menos você estará iniciando uma a discussão construtiva. Aos trancos e barrancos as relações estão tendo suas evoluções. Não há dúvida que assinar o contrato de compromisso eterno , não é garantia de nada, assim como se sabe, que uma relação a dois é muito mais que fazer sexo 3 vezes ao dia. Fazer e criar filhos, enriquecer juntos, cumplicidade e apoio em momentos difíceis são coisas que a paixão não dá conta do recado. As renúncias atreladas a escolha individual não torna a escolha de outrem pior, mas apenas dá pesos diferentes ao que cada um quer construir.

Abs