Esperto este tal ser humano.
Depois de criar Deus à sua imagem e semelhança para reinar – ele próprio, ser
humano – sobre todas as coisas, para se sentir onipotente e onipresente a ponto
de subjugar a natureza, as demais espécies e a própria espécie, o homem
precisava mais. Precisava criar um antagônico para si mesmo. Ao mesmo tempo, um
antagônico que criasse temor à própria espécie, como forma de negociar pecados
e salvações.
Não bastava ter criado a
personificação do bem à sua própria imagem e semelhança. Precisava do mal. Aí o
homem criou o Diabo, também retrato de si. Com ele personificou a luta interna
entre o bem e o mal. O homem, a partir de então, passou a ser soberano em todas
as possibilidades de decisão. Com a vantagem de poder terceirizar aquilo que
não tem coragem de enfrentar. Ao mesmo tempo, assumiu como invenção o tal
“livre arbítrio” para ter a possibilidade de praticar Deus e o Diabo no momento
que melhor lhe convier.
Esperto este tal ser humano.
Apropria-se do poder do bem e do mal ao inventar criaturas que personificam os
dois lados da mesma moeda (ou, melhor dizendo, os dois lados dele mesmo) e,
dissimuladamente, terceiriza os atos e resultados daquilo que não quer ou não
tem coragem de assumir. De quebra, ainda cria no imaginário da imensa maioria
de sua espécie a figura do prêmio (por ser bonzinho) e do medo (por ser
malvado). Desta forma, mantém a sociedade em uma letargia natural, em busca de
uma salvação pós morte, da remissão dos pecados e do cabresto do ímpeto das
ações para evitar o inferno.
O que impressiona tanto
quanto ter criado esse simbolismo personificado para dar poder a si, controlar
a sociedade humana e subjugar todas as outras espécies e coisas, é a capacidade
de criar, também, histórias que tentam corroborar este arcabouço de idéias
fantásticas. Histórias que permitem todo e qualquer tipo de interpretação como
o homem (Adão) ser criado por Deus e a mulher (Eva) ter sido feita de uma
costela do homem; dos 10 mandamentos impressos por raios do céu (Deus, aqui,
escreve através de raios) que escreveram em uma tábua segurada por um homem
(Moisés), no alto de uma montanha (Monte Sinai); até os inúmeros milagres de
Jesus Cristo, cujo ápice dos desvarios reside em sua ressurreição.
São tantas histórias
fantasiosas, muitas delas baseadas na cultura do povo da época exatamente para
emprestarem-lhe credibilidade, que é de se dar a mão à palmatória pelo incrível
cabedal de contos a reforçar uma ideia criacional a ponto de dar a ela, com o
passar dos séculos, resquícios de veracidade. Também não é novidade o dito
popular que aponta que “uma mentira dita muitas vezes, acaba sendo tomada por
verdade”. No caso em questão, o ser humano conquistou mais: conseguiu incrustar
as improváveis e impossíveis histórias que queria na própria cultura dos povos
que se seguiram, criando as crenças.
E assim caminha a
humanidade... Deus e o Diabo ocupando o mesmo corpo humano de seu criador para
todo o sempre.