domingo, 27 de julho de 2008

A infeliz "saga" de um gremista feliz

Aos meus 43 anos anos, achei que não tinha mais experiências infelizes provocadas por mim mesmo para experimentar. Ledo engano. A genta sempre descobre uma nova.

Gremista convicto, de “quatro costados”, como bom gaúcho de Porto Alegre, não poderia perder a oportunidade de ver um jogo do meu Imortal em Florianópolis.Exceto ano passado (2007), estive no estádio Orlando Scarpelli nos últimos três anos.

Impelido – literalmente – pelo meu filho mais velho, que fica quase louco quando há jogo do Grêmio por perto, me animei a ir a Floripa para ver o jogo Grêmio versus Figueirense da última quinta-feira (24.07).

Como em anos anteriores sempre comprei ingresso na bilheteria do estádio, não me preocupei em adquiri-los antes, via internet ou um dos amigos que vivem na Ilha. Ao contrário dos outros anos, não fui de carro, mas fiz parte de uma excursão do nosso grupo de gremistas de Blumenau, em ônibus.

A viagem foi um barato. Levei dois DVD’s produzidos sobre a chamada “Batalha dos Aflitos”, que não rodaram no aparelho do ônibus. Travavam direto. Como a turma era muito legal, não fizeram muita falta.

Chegamos ao estádio e começou a “saga”. Na portaria onde os gremistas tradicionalmente compram seus ingressos, bilheteria fechada. As más notícias de que não havia mais ingressos para a partida se confirmavam. Estávamos no mesmo barco eu, meus dois filhos, e mais uns 20 gremistas que foram no ônibus (os outros já tinham adquirido ingressos antecipadamente).

Não sobrava alternativa. Teríamos que comprar ingressos com os cambistas. Começamos a negociar e, aí, a surpresa pior. Além de pagar mais caro, só havia ingresso para assistir o jogo junto à torcida do Figueirense. Não que o time da Ilha não seja simpático aos gaúchos-gremistas que vivem em Santa Catarina. Mas quando o assunto é futebol...

Não deu outra. Compramos os ingressos, mantivemos nossas belas camisetas tricolores embaixo de outras que vestíamos e entramos no Orlando Scarpelli, rumo ao fatídico “setor B”. Teríamos que sentar no meio da numerosa torcida do Figueira.

Pior do que isso, só o que viria depois, ao longo dos 90 minutos de jogo. 7 a 1. 7 gols (permitam-me o absurdo de começar uma frase com numeral, mas os números neste caso têm uma força impressionante!) do time do coração e nós ali, calados, amordaçados, sem poder dar um grito sequer de Gooooooollll !!!!, algo que quase se compara ao êxtase do auge sexual.

Pois foi o que aconteceu... se em qualquer jogo da minha vida torceria para o Grêmio meter 5, 6, 7 gols no adversário, naquela situação totalmente desfavorável, ganhar por 1 a zero seria muito bom. Engoliria o grito de gol apenas uma vez; apenas uma vez ele ficaria entalado na minha garganta de torcedor deslocado, em perigo diante da situação adversa.

Mas como a vida tem dessas coisas, foram 7. Um após o outro, um a cada doze minutos e meio, em média. Sete vezes tive de engolir em seco e ficar com o grito mais esperado por um torcedor preso na garganta. Foram 7 como se o time adivinhasse que a maior goleada do Grêmio em toda a história do Campeonato Brasileiro fosse, também, o maior sofrimento futebolístico de toda a minha vida.

A cada gol, levantava da cadeira verde do setor B, e na impossibilidade de vibrar como toda a nação gremista fazia lá do outro lado do estádio (nos setores reservados à torcida tricolor), jogava meu boné no chão como indignado – e quando ia juntá-lo, olhava para meus filhos ao meu lado e vibrava abaixado, quase em silêncio, gritando um gol que quase eu mesmo não ouvia. Afinal, não podia deixar que os alvinegros das cadeiras logo acima e logo abaixo ouvissem o sussurro da minha vitória.

Não bastasse isso tudo, também não pude entoar os gritos e hinos que a torcida do Grêmio entoa durante toda a partida. Uma inesquecível festa em azul, preto e branco que vi ao vivo, mas não pude participar durante um momento sequer... Restou a comemoração na volta, no ônibus, e no restaurante que paramos em Biguaçú e soltamos aquele grito preso na garganta durante todo o jogo.

Gremista desde guri, gosto de acompanhar o time sempre que possível. Mas juro que a partir de agora serei muito mais precavido. Ingresso, só antecipado. Ou nem vou. Ninguém merece tanto sofrimento calado. Ou seria tanta alegria calado? Não importa. Vi meu time dar a maior goleada de sua história em Brasileiros e assumir a ponta do atual campeonato amordaçado. E isso, ninguém merece.


quinta-feira, 17 de julho de 2008

Cotidiano - Blumenau, 17.julho.2008

INTERNACIONAIS

NEGÓCIO DA CHINA

Ao levar para a China uma Olimpíada, os donos mundiais do esporte elevaram seus interesses econômicos (afinal a China representa imenso mercado – novo e em expansão) e esqueceram da realidade política chinesa. De reprimir monges tibetanos a proibir a imprensa internacional de filmar suas muralhas, o governo da China pinta e borda com a conivência do poder internacional.


NACIONAIS

COLARINHO OMO

Nunca uma prisão causou tanta confusão na polícia e na política. Daniel Dantas não é fraco e sabe muito. Assim, acaba mexendo com o poder. Conseguiu rachar até mesmo a Justiça, geralmente tão unida na defesa de seus interesses. O presidente do STF, Gilmar Mendes, ao defender privilégios a Dantas provocou manifesto de mais de 400 juízes e promotores federais, em defesa do juiz Fausto de Sanctis, que determinou a prisão do colarinho branco.


LOCAIS

INCRÍVEL

Seis agências bancárias de Blumenau foram condenadas a pagar 70 pessoas, porque elas reclamaram pelas vias legais (Procon) terem esperado tempo demais na fila. Cada uma vai receber cerca de R$ 2 mil. Dá para acreditar?

ZIMBAGOSTO

Festa das melhores rola dia 01 de agosto no Zimba Bar (rua Paul Werner, esquina da Cremer). Tribosofia I (várias tribos, mesma filosofia) unirá MPB, Reggae e Rock no mesmo palco com Magu, Teka do Ozuê e convidados e a banda The Zorden.Coisa de louco! Pra não perder jamais. Mais informações no site
www.clubeanos80.com.br, que apóia o evento alternativo.

SUL AMERICANO

Pouquíssimo – ou nada – divulgado na mídia, acontece na região um campeonato sul americano de futebol de campo para crianças sub-12 e adolescentes sub-14. A AD Hering participa e vai bem no torneio, que possui equipes de SP, RS, Chile, Paraguai, entre tantos outros lugares. Show de bola! Acaba domingo (20).

DESFALQUE ELEITORAL

A lei eleitoral anda tão rígida que quase engessa os candidatos, que não podem mandar fazer camisetas, brindes, nem mesmo enviar e-mails para eleitores. Tá tão difícil aparecer –e os partidos estão tão cuidadosos – que todo cuidado para citar o nome de um candidato é pouco. Se bobear, a lei eleitoral ainda desfalca o Metropolitano, só porque o nome do goleiro é João Paulo. Lembra alguém.

OS TEMPOS

O tempo dos programas de candidatos a prefeito de Blumenau no Horário Eleitoral Gratuito é determinado pelo número de deputados federais eleitos pelas legendas em 2006. JP Kleinübing (D25 e partidos coligados) ficará com 14min10seg. Décio Lima (PT e coligados) com 8min05seg. Os três outros não somam o tempo de Lima. Naatz terá 3min26seg, Latinha 2min2seg e Dari Diehl 2min07seg. Pouco tempo para quem tem o que dizer, muito para quem não tem.

domingo, 13 de julho de 2008

Cotidiano - Blumenau, 13.julho.2008

Antes de mais nada, quero dizer que aprecio muito quando um comentário discorda daquilo que coloco. É nessa hora que temos a oportunidade de crescer. Isso é o exercício da democracia, é o exercício do argumento – e a oportunidade do crescimento, do aprofundamento da opinião.

Por essa razão sou a favor do aumento do salário dos vereadores de Blumenau e contra a Lei Seca. Sempre com argumentos (como pode ser visto nas colunas anteriores). Mas respeito e admiro a opinião contrária, argumentada. Cada um tem direito a acreditar naquilo que quer e se tem argumentos, respeita-se.



INTERNACIONAIS

SEM ESSA

Na última corrida de Fórmula 1, o grande barato foi ver Rubinho de volta ao pódio. Até o momento que ele deu a tal “sambadinha”, que mais parece um ataque epilético. Acaba com a imagem de terra do samba. Para, Rubinho.


NACIONAIS

NATUREBA

A nova ordem mundial-nacional de as pessoas cuidarem mais da saúde está afetando até mesmo o consumo de refrigerantes. Em 2007, o mercado de sucos faturou nada menos do que R$ 1,5 bilhões no Brasil. Adivinha de onde está saindo uma parte desta fatia? Do consumo dos refris que, gaseificados, estão sendo preteridos pelo líquido de frutas, mais natural.

COISA DE LOUCO

Não é à toa que, de vez em quando, conhecemos alguém por aqui que veio de São Paulo ou Rio de Janeiro para fugir da loucura da cidade grande. Os perigos vão dos bandidos à polícia, que andam matando mais inocentes do que os primeiros. Quando não são as trocas de tiros que fazem sobrar balas perdidas. No meio desta confusão, melhor largar tudo e ir embora.


LOCAIS

ANGELONI

Cada vez mais difícil freqüentar o Supermercado Angeloni da Velha, principalmente para as mulheres e pessoas de mais idade. Tudo por conta de andarilhos que se esparramam na escadaria de acesso, muitas vezes bêbados. Dia desses assustaram os clientes, quando resolveram brigar no local, com xingamentos e porrada. Parece que a gerência não está nem aí. Por conta disso, já tem cliente trocando o dito pela concorrência.

PARTIDOS DE ALUGUEL

Todo mundo estranhou a mudança da posição do PR, que anunciara apoio a João Paulo Kleinübing no sábado e, no domingo, anunciou apoio à Décio Lima. Mas não seria de estranhar tanto. O presidente nacional do partido é um ministro que, por questões pessoais e óbvias, tem interesse em manter o PR na base aliada do governo Lula. E ponto final.

ALUGUEL DE PARTIDOS

Por outro lado, o presidente estadual de uma legenda nanica esteve tentando negociar (me$mo) apoio ao PT daqui. O valor: R$ 100 mil. Dizem que Décio e Garcia, que não esperavam cobrança financeira pelo possível apoio, ficaram possessos e escorraçaram o dito cujo. Que resolveu lançar candidatura própria a prefeito, de última hora.

TRAJETÓRIA

Depois de três candidaturas (duas a vereador e uma a deputado estadual) quando não conseguiu passar dos 50 votos em cada uma delas, o folclórico Latinha agora é candidato a prefeito pelo PTC – o Partido Trabalhista Cristão. Com discurso beirando ao fanatismo religioso, disse à imprensa que cristão acredita em milagres e quem acredita em milagres, acredita em sua candidatura.

Jesus Cristo deve ter se revirado. Até para Ele, este seria um milagre impossível.

Por hoje é só... mas a eleição vai começar pra valer nesta semana, quando os primeiros “santinhos” estarão nas ruas. Vai render comentários.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Artigo - de Rizzatto Nunes

A lei seca e direito de locomoção de todos nós


Dou hoje minha opinião, que será estritamente jurídica sobre a atual lei seca que está dando o que falar. Deixo claro desde logo que sinto-me bastante à vontade para tratar do assunto do modo como farei, porque na minha coluna de 04 de fevereiro deste ano, tinha elogiado a posição do Governo Federal em proibir a venda de bebidas alcoólicas à beira das estradas, como continuo acreditando que é preciso ir além: penso que de deve proibir a venda desse tipo de bebida em supermercados, permitindo a venda apenas em locais específicos e autorizados em que só entrem maiores de idade; penso também que deve ser proibida toda publicidade de bebidas alcoólicas etc. O Estado deve mesmo fazer algo, mas sempre respeitando as garantias constitucionais de um verdadeiro Estado de Direito.

Quando era estudante da graduação em Direito na PUC/SP, nos idos dos anos setenta, sonhava - todos nós sonhávamos - um dia ver a democracia real instituída no Brasil. A ditadura acabou, vieram as eleições livres e diretas e ficamos esperando. Quando surgiu a Constituição Federal de 1988, nossa esperança aumentou: afinal era o melhor, mais democrático, mais livre e mais claro e extenso texto de garantias ao cidadão jamais estabelecido antes por aqui. Uma luz verdadeira se acendia dentro do túnel. Muito bem. O tempo passou e se percebe que ainda é difícil estabelecer-se um real Estado Democrático de Direito. Como estudante de direito já há 33 anos fico triste e até, diria, um pouco descorçoado.

É incrível como o Poder, em todas as esferas, viola com seus procedimentos as garantias constitucionais. Foi-se a ditadura, mas permaneceu a mentalidade profundamente enraizada do autoritarismo. As ações policiais, por exemplo, muitas vezes parecem ter como técnica de controle e investigação apenas e tão somente o espalhafatoso instrumento das blitze, que normalmente produzem muito pouco resultado além do espetáculo e de atrapalhar a vida dos cidadãos, que já têm muita dificuldade de se locomover pelas ruas das cidades.

Veja o caso da atual e chamada lei seca e das ações praticadas contra os cidadãos de bem. A pessoa é parada na via pública pela polícia, apenas e tão somente porque acabou de sair de um restaurante. Pergunto: qual o elemento objetivo e legal que permite esse tipo de abordagem? Nenhum. Não há suspeita, não há comportamento perigoso, não há desvio de conduta nem manobra capaz de causar dano a outrem. Há, apenas, o fato de estar dirigindo um veículo após ter saído de um estabelecimento comercial ou nem isso: apenas porque está passando naquele local naquele momento. Isto é, trata-se de uma circunstância corriqueira de exercício da cidadania. Nessas condições a abordagem é ilegal. É assombroso, para dizer o mínimo.

De onde o Estado extrai o direito de evitar a locomoção de um pai de família que sai para jantar com sua esposa ou filhos? Ou com amigos, depois de um árduo dia de trabalho?

Dou exemplo de quando é possível a abordagem: se a pessoa entra cambaleando num veículo para dirigi-lo, eis o dado objetivo. Nesse caso o policial é testemunha ocular e tem o dever de agir. Ou se o veículo faz zigue-zague na rua, é preciso pará-lo. Na verdade, se é para fazer blitz, então é muito mais simples manter policiais em cada porta de bar, danceteria, boate, discoteca, rave ou o que seja e impedir que o ébrio entre no veículo.

Mas, se a pessoa está na rua livremente, apenas exercendo seu direto de locomoção assegurado constitucionalmente, não pode ser abordado e nem se lhe pode impingir conduta que ele não se disponha a fazer, sem base objetiva para tanto, como por exemplo, exigir o teste do bafômetro.
Eu digo isso, apenas e tão somente porque as leis não estão sendo cumpridas. Vamos a elas, então.

Em primeiro lugar, leia a nova redação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB): "Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência". Muito bem. Trata-se de um crime de perigo, mas perigo concreto real, ao contrário do que as autoridades policiais estão adotando.

O Professor Luiz Flávio Gomes, em artigo publicado no site Migalhas, deixou clara qual deve ser a interpretação do referido dispositivo. Diz ele que não basta ter ingerido certa quantidade de álcool. É preciso também estar sob influência dele. Isso porque, conforme ensina o professor, a segunda parte da regra legal ("sob influência de qualquer outra substância...") deve valer também para a primeira parte que trata do álcool. E ele está certo, pois a disjuntiva "ou" remete o conteúdo da segundo parte do texto à primeira parte.

Dou também outra razão: a própria lei 11.705 que alterou o CTB assim o diz. O seu art. 7º alterou a lei 9.294/96 modificando a redação do art. 4º-A dessa lei, que passou a ter a seguinte dicção: "Art. 4º-A Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção." (grifei)

Pergunto: o que significa "estar sob influência"? O professor Luiz Flávio Gomes responde: estar sob influência exige a exteriorização de um fato, de um plus que vai além da existência do álcool no corpo. No caso em discussão, esse fato seria a direção anormal. No exemplo que dei acima, a direção em zigue-zague. Caso contrário, como diz o citado jurista, estar-se-ia violando o princípio constitucional implícito da ofensividade, pois a mera ingestão de álcool sem significar perigo concreto ainda que indeterminado, geraria tipo penal de um crime abstrato, algo inadmitido no direito.

E, em reforço lembro, citando mais uma vez o professor, que para a caracterização da infração administrativa, o art. 165 do CTB, também alterado, dispõe: "dirigir sob influência do álcool". Logo, se para a mera infração administrativa (que é o menos) há que se constata influência, para o crime (que é o mais) com muito maior razão.

Pergunto agora: Pode a polícia parar o veículo e submeter toda e qualquer pessoa ao exame do bafômetro? A resposta é não e por vários motivos. Primeiro, porque para abordar qualquer cidadão é preciso lei que autorize ou dado objetivo que permita. O direito de locomover-se livremente é assegurado constitucionalmente (Art. 5º, XV, CF). Segundo, porque ainda que o motorista tenha ingerido álcool, isso não basta, pois deve se poder constatar um fato objetivo que gere perigo concreto, real decorrente de sua influência. Terceiro, porque ninguém está obrigado a produzir provas contra si mesmo. Se em algum caso, puder se constatar a influência do álcool por elementos exteriorizados objetivamente, então, nesse caso, a prisão há de ser feita com base em testemunhas e não mera suspeita infundada do policial ou por ordem direta de seus superiores que criaram uma suspeita em abstrato e geral.


Porém, digo mais. Guardados os limites de cada caso de abordagem, pode se dar outro crime: o de abuso de autoridade. A lei 4.898 define os crimes de abuso de autoridade (ironicamente é uma Lei do período autoritário: 09 de dezembro de 1965). Dentre eles, destaco o atentado à liberdade de locomoção e o atentado à incolumidade física do indivíduo (art. 3º, "a" e "i"). É um crime doloso, que demanda ânimo de praticá-lo e pode se dar também por omissão, como demonstram, as várias decisões judiciais condenando administradores públicos em geral elencadas pelos Profs. Gilberto e Vladimir Passos de Freitas no livro "Abuso de Autoridade" (Publicado pela Editora Revista do Tribunais, 9ª, ed, SP:2001).

Assim, se o indivíduo não está praticando nenhum delito, a autoridade fiscal ou policial não pode levá-lo preso. O crime pode estar sendo cometido tanto pela autoridade que lhe prende, como pela que não lhe solta. É possível, pois, processar a autoridade pelo crime de abuso. No assunto atual das blitze de lei seca, pode surgir uma dúvida em relação à quem está praticando o abuso, pois o policial civil ou militar está cumprindo ordem superiores. Nesse caso, se a ordem não é manifestamente ilegal, quem comete o crime é o comandante da operação ou seus superiores, que pode chegar até mesmo ao Secretário de Estado responsável, pois desses se espera o cumprimento estrito do sistema constitucional em vigor.

De todo modo, deixo anotado que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, disse com todas as letras que "sendo exigível dos agentes da lei o conhecimento da garantia constitucional de que ninguém, salvo o flagrante, pode ser detido e preso a não ser por ordem da autoridade judiciária competente, seu descumprimento configura abuso de autoridade manifesto, que não exime de responsabilidade o superior e seus subordinados" (Decisão publicada na revista RJTJRS 170/138 e citada na obra dos irmãos Passos de Freitas).

O trágico nessa história é que, enquanto cidadãos de bem são abordados por policiais armados em alguns pontos das cidades, em outros pontos cidadãos de bem estão sendo assaltados por bandidos armados. Em comum a violência e o abandono. Afora o fato de que esse tipo de blitz acaba deixando um rastro. Quando elas cessarem, porque cessarão, deixarão no ar a possibilidade da ilegal abordagem de quem quer que seja e, nesse momento, os policiais menos escrupulosos aproveitarão para "engordar o caixa". Mais um procedimento que facilita a corrupção. Outra coisa para se lamentar.

Não posso, como professor de Direito, depois de quase trinta anos de magistério, ficar tranqüilo com o que vejo. Aliás, nem eu nem ninguém que estude direito, porque ao invés de ver surgir o tão almejado Estado de Direito Democrático, o que assisto todo dia e cada vez mais é uso de um modelo de ação estatal que não tem na lei maior, infelizmente, sua base.


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Rizzatto Nunes é mestre e doutor em Filosofia do Direito e livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP. É desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Autor de diversos livros, lançou recentemente o "Bê-a-bá do Consumidor" (Editora Método). Coordena um site voltado ao Direito do Consumidor e à Defesa da Cidadania.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Lei Seca ou CPMF travestida?

Tudo bem. É simplificar demais a coisa. Mas o Governo Federal está adorando o apoio da mídia (veículos de comunicação) aos decretos que compõem a denominada Lei Seca e que poderia ter muitos outros nomes semelhantes... Lei Burra, Lei da Hipocrisia, etc.

Há os que vão dizer que a Lei Seca só pune os que bebem e depois dirigem, que multa não é imposto, e outras desculpas assim. Mas que a multa (pesada) de quase R$ 1 mil para quem for pego dirigindo depois de ingerir um mísero copo de cerveja ou uma taça de vinho, é um ótimo remendo nos cofres públicos federais contra o fim da CPMF, isso é.

Os governantes sabem que é muito difícil que o brasileiro mude sua cultura de uma hora para outra e que é impossível ir a um restaurante, por exemplo, e comer massas sem uma boa taça de vinho. Que é praticamente impossível uma pessoa adulta combinar pizza com guaraná. Que um encontro num barzinho não precisa servir para encher a cara, mas que dois ou três copos são quase indispensáveis. Então, o que fazem? Inventam uma tolerância zero para arrecadar recursos financeiros em cima da população. Com a conivência da mídia e de um monte de gente que forma a chamada opinião pública (geralmente formada por uma grande maioria de pessoas que não têm opinião própria).

Aí sim, dá para dizer que se aproveitando de pessoas normais que tentam ter um pouco de lazer (não apenas dos bêbados que provocam acidentes de trânsito) o Governo Federal quer compensar a extinção da CPMF e a não aprovação - ainda -da CSS com a nova lei. Quer faturar em cima dos trouxas que acreditam que viver não é simplesmente ir do trabalho para casa e esperar o trabalho do dia seguinte.

Pois se quisesse dar jeito na questão dos bêbados no trânsito, bastaria fiscalizar efetivamente a lei que já existia. Poderia até aumentar o valor da multa, como fizeram, caso o cidadão viesse a exceder os 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue. Isso equivale a três copos de cerveja e nunca vi alguém com três copos de cerveja "na cabeça" matar ninguém no trânsito. Porém, baixar este coeficiente para 0,2 é chegar à tolerância zero. Ou à burrice zero.

Alguém acredita em sã consciência que alguém que bebe dois copos de cerveja (o dobro do permitido pela nova lei), não causa nenhum acidente, nenhum prejuízo a quem quer que seja deva ser tratado como criminoso? Preso, levado à delegacia... Os governantes endoidaram e a mídia com eles. Alguém concorda que o cidadão que saiu com a família, foi ao restaurante, tomou uma ou duas taças de vinho para acompanhar o prato escolhido deva ter seu veículo retido e a carteira presa por um ano?

HIPÓCRITAS !!! Aqueles que nos roubam em Brasília e pousam de defensores da vida ao morder o bolso de quem é cidadão normal, com seus direitos e deveres, chamando a todos de bêbados.

HIPÓCRITAS !!! Aqueles que apóiam esta imbecilidade imaginando que o Brasil vai mudar com a nova lei, menosprezando o direito das pessoas de se divertirem com consciência e igualando-se aos que nos roubam em Brasília colocando todos na vala comum do alcoolismo.

O Governo Federal nunca quis fiscalizar seriamente a (boa) lei que já existia; agora arrumou uma forma de tirar dinheiro do contribuinte com os aplausos de uma platéia inata, sem opinião própria ou senso de realidade. Arrumou válvula de escape para o que perdeu com a CPMF com um bando de ignorantes batendo palmas ao léu.

Os caminhoneiros continuam tomando seus "rebites" nas estradas, Brasil afora, para manterem-se semi-acordados ao volante. Como não é alcoólico, que se explodam! Os governantes não estão nem aí para eles. Nem para suas vidas. Nem para os acidentes fatais que podem causar.

A última pergunta: alguém acredita que isso vai funcionar? Depois de duas ou três semanas de blitze intensa, como os poucos policiais, com poucos bafômetros disponíveis, vão dar conta de segurar essa pressão? A lei veio para encher as "burras" do governo e esvaziar a dos comerciantes da área alimentícia e de lazer. E ninguém tem coragem para ir para a mídia contestar, porque a mídia adotou este besteirol em sua agenda.


Hipócritas!